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Notícia publicada em Abril de 2004

A Comissão de Normalização Contabilística em plenário da Comissão Executiva aprovou no dia 24/3/04, uma Interpretação Técnica sobre o Decreto-Lei nº.23/2004, de 23 de Janeiro.

Pela elevada importância que tem para todos os técnicos de contabilidade, publicamos na íntegra o texto da dita interpretação, que poderá também ser lida no site da CNC em www.cnc.min-financas.pt

Assunto: RESERVA FISCAL PARA INVESTIMENTO – Cumprimento das obrigações contabilísticas

I – QUESTÃO

Tendo considerado esta Comissão de Normalização Contabilística (CNC) a existência da necessidade de instituir um entendimento geral acerca da forma de cumprimento das obrigações contabilísticas decorrentes da aplicação do Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro, que define o regime da Reserva Fiscal para Investimento, delibera esta Comissão Executiva emitir a presente Interpretação Técnica.

O quadro legal estabelecido pelo Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro, tem suscitado dúvidas de interpretação, designadamente, quanto ao modo e ao momento como se deve proceder à constituição, no balanço, de reserva especial apropriada. Essencialmente, o que está em causa é, por um lado, saber se a realidade referida na lei constitui, quer de facto, quer na perspectiva estritamente contabilística, uma grandeza que seja susceptível de ser reconhecida como componente dos capitais próprios, ou pelo contrário, a mesma reúne a característica de passivo e, por outro lado, em estabelecer qual o momento em que a mesma deverá ser reconhecida.

II – ENTENDIMENTO

Face ao exposto, e ao que a lei especificamente dispõe, considera esta Comissão de Normalização Contabilística que as obrigações contabilísticas referidas no artigo 9º do mencionado Decreto poderão ser havidas como satisfeitas desde que sejam seguidos os seguintes procedimentos:

a) Quanto à obrigação de menção no anexo ao balanço e à demonstração dos resultados do imposto que deixou de ser pago a mesma pode ser satisfeita com a referência ao diploma legal e à importância da reserva fiscal para investimento que foi constituída (ou reforçada) no exercício em que se efectua a dedução quer na “nota nº 47 - Informações exigidas por diplomas legais”, quer na “nota nº 40 -Explicitação e justificação dos movimentos ocorridos no exercício em cada uma das rubricas de capitais próprios, constantes do balanço, (…)”.

b) Caso a entidade elabore contas consolidadas e o regime da reserva fiscal para investimento lhe aproveite, a obrigação referida na alínea anterior pode ser satisfeita com a indicação dos elementos aí descritos na nota nº 49 - Outras informações exigidas por diplomas legais do Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados consolidados.

c) A obrigação de se proceder à constituição, no balanço, de reserva especial apropriada é satisfeita nos seguintes termos:

i) No momento do reconhecimento da quantia do imposto corrente do exercício (tal como está definido na Directriz Contabilística nº 28 – Impostos sobre o rendimento) a empresa deverá debitar a conta “861 – Imposto sobre o rendimento – Imposto corrente” e creditar subconta apropriada da conta “241  - Estado e outros entes públicos – imposto sobre o rendimento” pela importância do imposto a pagar relativo ao exercício após a dedução do benefício fiscal em que se proceda à constituição ou reforço da reserva fiscal para investimento. Simultaneamente, deverá constituir, à custa dos resultados do exercício que foram retidos face ao menor pagamento do IRC, a reserva fiscal para investimento. Para tal deverá debitar subconta apropriada da conta “86 – Imposto sobre o rendimento” por contrapartida de subconta adequada da conta “57 - Reservas”, pela importância do IRC que deixou de ser pago e que corresponda à constituição (ou reforço) da reserva fiscal para investimento;

ii) No caso da empresa não ter efectuado o reinvestimento a que se obrigou no momento da opção pela criação da reserva fiscal para investimento, deverá anular a mesma, através do débito da subconta da conta “57 - Reservas” que havia sido criada quando da constituição daquela reserva fiscal e do crédito da conta “59 – Resultados Transitados”, pelo montante não utilizado da dedução à colecta a que se refere o artigo 2º do Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro. Simultânea e imediatamente, deverá reconhecer o imposto em dívida mediante o débito da conta “59 – Resultados Transitados” e o crédito de subconta apropriada da conta “241 - Estado e outros entes públicos – imposto sobre o rendimento”, pela mesma quantia;

iii) A partir do momento em que deixe de existir a limitação de distribuição dos resultados, a que se refere o nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro, passam os sócios a ter liberdade de disposição da importância da reserva fiscal para investimento, pelo que a mesma poderá desde logo ser transferida para resultados transitados o que é feito mediante o débito da subconta da conta “57 - Reservas” que recolhe a reserva fiscal para investimento por contrapartida da conta “59 – Resultados Transitados”, pela quantia do saldo da conta da reserva fiscal para investimento que se encontra liberta de qualquer restrição à distribuição.

III - FUNDAMENTOS

a) O quadro legal

O Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro, define o regime da “Reserva Fiscal para Investimento”, o qual consiste, essencialmente, na permissão da dedução, nos exercícios de 2003 e 2004, ao montante do IRC apurado com base na matéria colectável constante das respectivas declarações de rendimentos, de uma importância até 20% daquele imposto.

Conforme dispõe o nº 1 do artigo 2º daquele diploma, a importância referida deve ser destinada à constituição de uma “Reserva Fiscal para Investimento”, a qual será “utilizável em investimento elegível em imobilizado corpóreo ou em despesas de investigação e desenvolvimento a efectuar nos dois exercícios seguintes aquele a que o imposto respeita”.

De acordo com o nº 2 do artigo 2º do mesmo diploma, a dedução é efectuada à colecta do IRC apurado nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 83º do CIRC - o que configurando a mesma como benefício fiscal, limita a respectiva dedutibilidade à concorrência da respectiva colecta – e deverá ser operada na liquidação respeitante a cada período de tributação, dos exercícios que se iniciem em 2003 e 2004.

O artigo 9º do mencionado Decreto estabelece as obrigações contabilísticas a que estão sujeitas as entidades que pretendam beneficiar do regime previsto no mencionado diploma, dispondo, designadamente, que a contabilidade deve:

i) dar expressão ao imposto que deixe de ser pago em resultado da aplicação do artigo 2º, mediante menção do valor correspondente no anexo ao balanço e à demonstração dos resultados relativos ao exercício em que se efectua a dedução, e

ii) proceder à constituição, no balanço, de reserva especial apropriada.

O mesmo artigo impõe ainda a limitação à distribuição aos sócios da “reserva” aqui referida antes do final do quinto exercício posterior ao da respectiva constituição.

b) A questão contabilística

b.1. O momento do reconhecimento inicial

Do nº 1 do artigo 1º e do n.º 1 do artigo 9º do diploma legal aqui referido, resulta que a reserva fiscal para investimento deve ser contabilizada no exercício a que diz respeito o imposto que deixou de ser pago.

b.2. O modo do reconhecimento

Uma primeira questão que se pode suscitar acerca do reconhecimento da chamada “reserva fiscal para investimento” é a de saber se a realidade referida na lei constitui, quer de facto, quer na perspectiva estritamente contabilística, uma grandeza que seja susceptível de ser reconhecida como componente dos capitais próprios, ou pelo contrário, a mesma reúne as características de passivo.

Importa em primeiro lugar assentar qual o entendimento que pode ser dado às noções de passivo e de capital próprio.

Dado que tais definições não constam de qualquer dos documentos emitidos até ao momento pela Comissão de Normalização Contabilística, recorre-se ao que a este respeito refere a “Estrutura conceptual para a apresentação e preparação das demonstrações financeiras” elaborada pelo International Accounting Standards Board .

Nesse documento, o passivo[1] é definido como sendo “uma obrigação presente da empresa proveniente de acontecimentos passados, da liquidação da qual se espera que resulte um exfluxo de recursos da empresa incorporando benefícios económicos”, enquanto que o capital próprio[2] é definido como sendo “o interesse residual nos activos da empresa depois de deduzir todos os seus passivos”.

Ora, sendo[3] que “uma característica essencial de um passivo é a de que a empresa tenha uma obrigação presente” e definindo-se uma obrigação como sendo “um dever ou responsabilidade para agir ou executar de certa maneira” (cf. § 60), haverá que em primeira linha apreciar se, à data em que a entidade deixou de pagar o imposto, i.e. à data em que obteve o benefício, existe ou não alguma obrigação presente da entidade que justifique o reconhecimento da mesma no Balanço. Em bom rigor, a entidade ao declarar pretender beneficiar do regime da reserva fiscal para investimento está a assumir o compromisso de efectuar um conjunto de investimentos nos termos que a lei impõe. Todavia, como bem é referido no parágrafo 61 da Estrutura conceptual acima referida “necessita de ser feita distinção entre uma obrigação presente e um compromisso futuro” sendo, naturalmente de reconhecer apenas a primeira e nunca o segundo, como decorre do expresso no parágrafo 91 da Estrutura conceptual quando refere que “um passivo é reconhecido no balanço quando for provável que um exfluxo de recursos incorporando benefícios económicos resulte da liquidação de uma obrigação presente e que a quantia pela qual a liquidação tenha lugar possa ser mensurada com fiabilidade”.

Fica pois, afastada a possibilidade de reconhecimento da chamada “reserva fiscal para investimento” como passivo, pois não reúne nem as condições estabelecidas na respectiva definição, nem as de reconhecimento.

Nesta conformidade, haverá que apreciar se a chamada “reserva fiscal para investimento” reúne as condições para ser reconhecida como capital próprio. A este propósito, e pese a circunstância de o capital próprio ser definido como um resíduo, o parágrafo 66 da Estrutura conceptual refere expressamente que “podem ser estabelecidas outras reservas se a legislação fiscal nacional conceder isenções de, ou redução em, passivos fiscais quando sejam feitas transferências para tais reservas. A existência e dimensão destas reservas legais, estatutárias e fiscais é informação que pode ser relevante para as necessidades de tomada de decisão dos utentes.” Parece, pois, que face ao descrito, mais não resta do que reconhecer a “reserva fiscal para investimento” como componente do capital próprio.

b.3. Os registos contabilísticos

Esclarecida esta primeira questão, importa apreciar se aproveitaria à “reserva fiscal para investimento” o regime estabelecido pela Norma Internacional de Contabilidade nº 20 Contabilização dos Subsídios do Governo e Divulgação de Apoios do Governo, uma vez que se poderia considerar que o benefício fiscal concedido, ao ter associado um compromisso de investimento, poderia configurar um subsídio governamental assimilável a um subsídio associado com activos. A resposta a esta questão parece poder retirar-se do parágrafo 2º da norma aqui referida onde se pode ler que “esta Norma não trata: (…) b) -o apoio do governo que seja proporcionado a uma empresa na forma de benefícios que ficam disponíveis ao determinar o rendimento colectável ou que sejam determinados ou limitados na base de passivos por impostos sobre o rendimento (tais como isenções temporárias do imposto sobre o rendimento, créditos de impostos por investimentos, permissão de depreciações aceleradas e taxas reduzidas de impostos sobre o rendimento) (…)”. Consequentemente, a resolução desta questão não passará pela aplicação da IAS 20.

Tratada que está a questão da classificação da reserva como componente dos capitais próprios  e a sua exclusão do regime dos “subsídios do governo”, importa apreciar como é que deverão ser efectuados os competentes registos contabilísticos.

i) No momento da constituição ou do reforço da reserva

De acordo com o estabelecido na Directriz Contabilística nº 28 – Imposto sobre o rendimento – a entidade deverá reconhecer o Imposto do exercício, entendendo-se este como sendo “o montante do imposto correspondente ao período, calculado com base nos valores contabilísticos e tendo em conta as diferenças definitivas”. Atenta esta noção deverá a entidade reconhecer como imposto do exercício, na conta “86 – Imposto sobre o rendimento do exercício”, o somatório do imposto corrente do exercício, i.e., o imposto relativo aos resultados do exercício após a dedução do benefício fiscal (ou seja o que efectivamente irá ser pago e da importância que é deduzida ao imposto a título de benefício fiscal). O imposto corrente deverá ser reconhecido na subconta “861 – Imposto corrente do exercício” e o imposto que deixou de ser pago deverá ser reconhecido em subconta a criar e cujo código e designação poderão ser “863 – Reserva fiscal para investimento”. As contrapartidas serão, respectivamente, a subconta apropriada da conta “241 – Estado e outros entes públicos – Imposto sobre o rendimento” e uma subconta apropriada da conta “57-Reservas”, que poderia ser, por exemplo, a subconta “577 - Reserva Fiscal para Investimento” uma vez que se entende não poder ser a conta de “reserva legal” porque o Código das Sociedades Comerciais estabelece um regime próprio para este tipo de reserva (cf. artigos 295º e 296º do Código das Sociedades Comerciais) que é diverso daquele que foi fixado pelo diploma que aprovou o regime da reserva fiscal para investimento.

Entende-se, naturalmente, que para além das obrigações de divulgação no Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados que legalmente impendem sobre os beneficiários do regime aqui apreciado, a circunstância de a empresa ter assumido um compromisso de investir leva a que este compromisso seja passível de ser configurado como passivo contingente. De facto, de acordo com a Norma Internacional de Contabilidade nº 37 – Provisões, passivos contingentes e activos contingentes, um passivo contingente é: “a) uma obrigação possível que provenha de acontecimentos passados e cuja existência somente será confirmada pela ocorrência ou não de um ou mais acontecimentos futuros incertos não totalmente sob controlo da empresa;(…)” o que é manifestamente o caso dos beneficiários deste regime.

Assim sendo, e apesar de uma empresa não dever reconhecer um passivo contingente (cf. §27 da IAS 37), deve contudo divulgar o mesmo, a menos que seja remota a possibilidade de um exfluxo de recursos que incorporem benefícios económicos (cf. §28 da mesma norma). Nestas circunstâncias a entidade deve divulgar (cf. §86 da IAS 37) para esta classe de passivo contingente à data do balanço uma breve descrição da natureza do passivo contingente e, bem assim como uma estimativa do seu efeito financeiro e uma indicação das incertezas que se relacionam com a quantia ou momento de ocorrência de qualquer exfluxo. Aliás, como lhe é imposto pelo Plano Oficial de Contabilidade na nota 31 do Anexo ao balanço e à demonstração dos resultados e na nota 21 do anexo ao balanço e à demonstração dos resultados consolidados.

ii) Na hipótese de não concretização do investimento

Caso a empresa não efectue o reinvestimento a que se comprometeu fica, nos termos da lei, obrigada a efectuar o pagamento do imposto que deixou de ser pago quando da constituição ou reforço da reserva.
Do ponto de vista da relevação contabilística entende-se que existem dois momentos a considerar:

a) o momento da anulação da reserva fiscal para investimento, e
b) o momento correspondente à liquidação do imposto que deixou de ser pago quando da constituição ou reforço da reserva.

O registo do primeiro daqueles factos traduz-se no débito da subconta da conta “57 - Reservas” que havia sido criada quando da constituição da reserva fiscal para investimento e o crédito da conta “59 – Resultados Transitados”, pelo montante não utilizado da dedução à colecta a que se refere o artigo 2 de Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro.

O segundo facto assinalado implica que a empresa deva reconhecer o imposto a pagar originado pelo incumprimento dos requisitos inerentes à concessão do benefício o que, dentro da lógica do tratamento do imposto sobre o rendimento que se encontra estabelecida na Directriz Contabilística nº 28, se traduz num registo a  débito da conta “59 – Resultados Transitados” por contrapartida de subconta apropriada da conta “241 - Estado e outros entes públicos – imposto sobre o rendimento”, pela importância do imposto a pagar.

iii) No momento da extinção das limitações à distribuição da reserva fiscal para investimento.

O nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 23/2004, de 23 de Janeiro dispõe que “a reserva especial a que se reporta o número anterior não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do 5º. exercício posterior ao da sua constituição, (…)”.

Pese a literalidade da lei parece que a expressão “aos sócios” deverá entender-se como detentores do capital, aí obviamente se incluindo, designadamente, os comerciantes em nome individual.

Ora, como acima foi referido, a partir do momento em que deixe de existir a limitação de distribuição dos resultados, nos termos antes assinalados, passam os sócios (detentores do capital) – contrariamente ao que acontece com as reservas sujeitas ao regime da reserva legal - a ter liberdade de disposição da importância da reserva fiscal para investimento, pelo que a Assembleia geral (ou o órgão competente para o efeito) poderá desde logo dar-lhe o destino que considerar mais apropriado.

Nessas circunstâncias, deverá a quantia do saldo da conta da reserva fiscal para investimento que se encontra liberta de qualquer restrição à distribuição ser transferido para a conta “59 – Resultados Transitados”.

NOTA FINAL
Dado que poderão existir entidades que encerraram e aprovaram as suas contas de 2003 antes da publicação do diploma da Reserva Fiscal para Investimento e que um grande número, em cumprimento dos prazos estabelecidos no Código das Sociedades Comerciais, poderá ter encerrado as suas contas de 2003 até finais de Fevereiro de 2004 sem que tenham registado contabilisticamente a Reserva Fiscal para Investimento face à tardia publicação do diploma e face às dúvidas existentes quanto aos movimentos contabilísticos a efectuar, entende esta Comissão que poderia ser permitida a utilização do regime da Reserva Fiscal para Investimento ainda relativamente ao exercício de 2003 com expressão contabilística em 2004 para as entidades que já encerraram as suas contas de 2003 sem terem efectuado a relevação contabilística da Reserva Fiscal para Investimento.

Aprovada pela Comissão Executiva da Comissão de Normalização Contabilística, nos termos da alínea d) do artigo 2º e alínea a) do artigo 10º, do Decreto-Lei nº 367/99, de 18 de Setembro, na sua reunião de 24 de Março de 2004

A Vice-Presidente da Comissão Executiva

Maria Cristina Mourinho